domingo, 4 de janeiro de 2009

Penas Restritivas de Liberdade

1.Evolução histórica das penas.

Durante a antiguidade as penas tinham com o principal, senão única função a vingança. Sabemos que a pena em sua aplicação era a morte, a mutilação, o confisco, o exílio enquanto o encarceramento apenas era para assegurar a presença do réu, sendo de escopo meramente processual. Evitando a fuga do acusado. A pena restritiva de liberdade iniciou-se com o Direito Canônico destinados aos eclesiásticos que de alguma forma agissem em desacordo com os interesses da igreja tendo como objetivo primeiro o arrependimento dos acusados.
Logo após a construção de prisões destinadas a mendigos, vagabundos, e prostitutas entre os demais foi determinando o fim a qual se aplicar as penas privativas de liberdade. Tivemos durante essa evolução outros tipos de penas, como a composição, onde o ofensor livrava-se do castigo com a compra da liberdade. Ainda quando o direito não havia passado por um processo de secularização, as penas mais cruéis e desumanas eram aplicadas por sacerdotes que se auto intitulavam representantes da justiça divina onde a norma era advinda de deus em função às ofensas praticadas na sociedade – também denominada inquisição. O iluminismo proporcionou o início do período humanitário no Direito Penal.
Os contratualistas como: Rousseau com o Contrato Social; Hobbes com Leviatã; Cesare Beccaria com Dos Delitos e Das Penas; desenvolveram fundamentos do direito de punir e legitimidade das penas. O fim utilitário da pena foi cominado a lei moral. Ressalta Beccaria no Cap. VI – Da prisão:

“À medida que as penas vão sendo moderadas, que se elimine a miséria e a fome dos cárceres, penetrem a compaixão e humanidade além das grades, inspirando os inexoráveis e endurecidos ministros da justiça, poderão as leis contentar-se com indícios sempre mais leves para efetuar a prisão.[1]

Inserido no contexto da Teoria da Pena, José Henrique Pierangeli em seu artigo A COERÇÃO PENAL E OS FINS DA PENA cita a esclarecedora manifestação de Nélson Hungria:

“Não se pode repudiar, irrestritamente, o sistema ético – jurídico da pena, cuja modalidade principal é a prisão. A compesatio mali cum malo é ditada por uma lei da natureza e depara justificação em nossa própria consciência. Não há argumentar que a pena-retribuição; é resquício do talião primitivo. O modus faciendi da punição tem evoluído no sentido da brandura e da proporção, mas a idéia de retorsão do mal pelo mal continua inscrita e viva na razão humana, tal como o tempo do olho por olho, dente por dente.”[2]

As escolas penais desde a clássica até a nova defesa social influenciam até hoje na forma de perceber e aplicar a pena. A pena privativa de liberdade marcou uma verdadeira evolução no sistema penal, representando uma retenção no comportamento humano criminal. Deixando à margem da aplicação da pena os castigos cruéis antes aplicados.

2. Reclusão e Detenção.

No ano de 1984 um movimento destinado à completa eliminação da dualidade das penas privativas de liberdade foi rejeitado, não permitindo a unificação do sistema prisional. Manteve-se assim a distinção em reclusão e detenção sendo meramente de cunho formal.
A reclusão e detenção diferem-se quase que exclusivamente ao regime de cumprimento da pena; sendo a reclusão em regime fechado, semi-aberto ou aberto enquanto na detenção só se admite semi-aberto ou aberto disposto em Lei no art. 33, caput do Código Penal. Analisada a necessidade admite-se a transferência do condenado à pena de detenção. Luiz Régis Prado ressalta:

“A distinção entre reclusão e detenção é meramente quantitativa, fundada, basicamente na maior gravidade da primeira. Todavia não se trata de diferença ontológica – refere-se ao ser categorial, isto é, à sua natureza. Na verdade não há qualquer diversidade estrutural e de essência entre as duas espécies de pena privativa de liberdade. Ademais a legislação brasileira, além de não oferecer outro critério de diferenciação que não seja o quantum da pena, apresenta inúmeras hipótese de manifesta desproporção entre a pena privativa de liberdade abstratamente cominada e a gravidade do crime praticado.”[3]

3. Regimes Penitenciários.

A lei 6.416/1977 distinguia os condenados ao cumprimento das penas privativas de liberdade nas modalidades de reclusão e detenção, todavia os classificavam em perigosos e não-perigosos; sendo os perigosos forçosamente submetidos às regras do regime fechado enquanto os não-perigosos cuja pena não ultrapassasse oito anos poderiam ser recolhidos ao regime semi-aberto desde o início da pena. Senão cumprido o limite base de oito anos o preso poderia ser transferido para o mesmo sistema. Quando da pena inferior a quatro anos poderia o condenado ser recolhido ao sistema aberto desde o início; ou depois de um terço (pena superior a quatro e inferior a oito anos); dois quintos (pena superior a oito anos).
A periculosidade do agente foi descartada na Lei 7.209/1984, porém não se abandonou a distinção entre os regimes penais que são aplicados segundo a conduta típica do condenado constituindo fatores determinantes a reincidência e a quantidade de pena aplicada.


3.1 Tipos de regimes penais

Os regimes penais dividem-se me três: Fechado, Semi-aberto e Aberto. No regime fechado a pena privativa de liberdade será cumprida em estabelecimento de segurança máxima ou média; art.33,§1º,a; o tipo semi-aberto cumpre pena e colônia penal agrícola, industrial ou em estabelecimento similar; art.33,§1º,b; enquanto no regime aberto deve o condenado cumprir a pena em casa ou estabelecimento adequado; art.33,§1º,c.
A reclusão imputa ao condenado o início do cumprimento da sua pena em regime fechado, podendo através de progressão de regime transferir-se para o semi-aberto ou o aberto. Sendo a detenção uma aplicação de pena mais branda utiliza-se o tipo semi-aberto ou aberto, não impedindo a retração à reclusão devido ao comportamento do condenado.
Observando as características de cada regime vimos que no regime fechado o cumprimento da pena é feito em penitenciária construída atendendo os requisitos básicos da Lei de Execuções Penais. Enquanto no regime semi-aberto a colônia agrícola ou industrial podendo o alojado ser instalado em compartimento coletivo, não obstante preenchendo os mesmos requisitos dantes mencionados da mesma Lei. Por fim o regime aberto funda-se na autodisciplina e senso de responsabilidade do condenado regulado pelos arts. 94 e 95, LEP. Assinala a doutrina que a principal vantagem da prisão aberta consiste em permitir que o sentenciado “faça uma experiência de liberdade concreta e não apenas simulada, pois tem a oportunidade de viver e de trabalhar como um homem livre, embora ainda esteja cumprindo pena.”[4]

3.2 Reincidência

A reincidência é um elemento desfavorável ao condenado obrigando o mesmo a iniciar o cumprimento de sua pena em regime fechado, seja ela qual for. Contudo uma possibilidade excepcional do o juiz conceder o regime semi-aberto ao sentenciado a reclusão mesmo que reincidente. O STF entendeu que embora reincidente, o sentenciado anteriormente condenado à pena de multa pudesse iniciar o cumprimento de sua pena em regime aberto, desde que a pena fosse inferior ou igual a quatro anos. Decisão amparada no art. 77§ 1º, do Código Penal, que permite a concessão de sursis ao sentenciado eu embora reincidente, foi condenado anteriormente apenas à pena de multa.

4. Regime inicial

O magistrado em sua sentença estabelecerá o regime de aplicação da pena privativa de liberdade, sua graduação é diretamente relacionada com o tempo de pena a ser cumprido. O condenado superior a oito anos via de regra inicia em regime fechado, assim como o condenado a pena de reclusão reincidente. A Lei 8072/90 (Lei de Crimes Hediondos) determinava que: a prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas, terrorismo consumados ou tentados, teriam a pena aplicada em regime integralmente fechado ainda que fosse inferior a oito anos. O Supremo Tribunal Federal, declarou inconstitucional o dispositivo, alterando sua redação e permitindo a progressão de regime. A Lei 11.464/2007 passou a admitir a progressão em tais casos determinando o cumprimento de no mínimo 2/5 da pena se o réu for primário ou 3/5 se for reincidente, na hipótese de crimes tratados acima.
O condenado não reincidente a pena superior a quatro anos e não excedente a oito, poderá cumpri-la desde o início em regime semi-aberto. Observando os dispositivos para sua execução.
Da mesma forma, o condenado não reincidente com pena inferior ou igual a quatro anos, poderá desde o início cumpri-la em regime aberto.
Ressalta-se que a pena de prisão simples, cominada para as contravenções penais, deverá ser cumprida sem o rigor penitenciário, vedado portanto o regime penitenciário.
O magistrado ao condenar a sentença deve sempre agir com observância aos critérios arrolados no artigo 59 do Código Penal, sendo eles: a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social, a personalidade do agente, os motivos, circunstâncias e conseqüências do crime, bem como o comportamento da vítima. Quanto a determinação da origem inicial concorrem dois fatores: a quantidade da pena imposta e as condições pessoais do condenado.

5. Regime especial

Inclusos neste rol estão os maiores de sessenta anos e as mulheres. Os maiores de sessenta anos protegidos pelo art. 82 da LEP deverão ser recolhidos a estabelecimentos próprios adequados a sua condição especial, somado ao Estatuto do Idoso, aonde o marco etário de sessenta anos veio a confirmar a regra e garantir sua constitucionalidade. Quanto às mulheres, o art.37 do Código Penal, determina estabelecimento próprio observando-se os deveres e direitos à sua condição pessoal e as demais regras concernentes às penas. A Lei de Execução Penal caracteriza os elementos necessários e básicos para a penitenciária de mulheres.

6. Sistema progressivo

O sistema progressivo adotado pelo Brasil contém algumas particularidades. O início da sentença dar-se-á com o trânsito e julgado da sentença condenatória. Todavia a execução somente terá início quando o condenado for preso. O art. da LEP exige para a execução da pena que o réu esteja preso, somando-se o início e o término da sentença na guia de recolhimento. Devido a tal dispositivo é necessário o recolhimento do réu no intuito de determinar seu início de cumprimento da pena e concomitantemente seu término. Dessa forma é impossível iniciar a execução de uma pena se o sentenciado estiver solto.
Duas hipóteses podem ser previstas quando o sentenciado estiver solto por motivos diversos; após certificar no processo de conhecimento que houve trânsito e julgado, expede-se o mandado de prisão do sentenciado encaminhando cópias às polícias. Além disso elabora-se um cálculo da prescrição da pretensão executória. A partir das medidas tomadas anteriormente pode ocorrer: o condenado não é prezo dentro do prazo prescricional, sendo decretada a extinção de punibilidade pelo juiz; o condenado é prezo antes do término prescricional, tendo o juiz do processo de conhecimento determinar a expedição de guia de recolhimento ao Juízo de Execuções, tendo início à execução penal, surgindo o processo de execução em detrimento ao de conhecimento. O ministério Público pode solicitar, interpor correição parcial e verificar todas as formalidades legais uma vez que quando extraída a guia de recolhimento deverá ser informado imediatamente.
Quando da fuga de um sentenciado, interrompe-se a execução da pena e é feito um cálculo da prescrição e os procedimentos a seguir são similares aos do sentenciado em liberdade.
A progressão da pena foi um instituto que se objetivou a ressocialização do preso gradativamente sendo necessário qualifica-lo anteriormente pela periculosidade, o que já não é mais aplicado. A pena atende a conduta típica com suas determinações.
A admissibilidade de progressão do sentenciado conforme seu comportamento no sistema carcerário pode-se observar de maneira mais concreta no sistema fechado e semi-aberto, por vez que no sistema aberto o controle é mais distante e esporádico.

7. Critérios de aplicação da pena.

Na hipótese de existirem duas ou mais penas a serem cumpridas pelo sentenciado, devem preceder as mais graves, art. 69, caput, 2ª parte do CP. Posteriormente analisa-se o critério cronológico, quando de penas do mesmo sistema de acordo coma data de transitado e julgado . não existe dispositivo legal para o sentenciado a prisão simples, iniciar sua pena em regime fechado. Destarte que: acontecida a regressão o sentenciado cumpra a sua pena em regime fechado, prisão simples em separado dos condenados a reclusão ou detenção.
O art. 52 foi alterado pela Lei nº 10792/03 criando o regime disciplinar diferenciado submetido ao preso provisório ou condenado, nacional ou estrangeiro, em três circunstâncias: a prática de crime doloso que ocasione a subversão da ordem ou da disciplina interna do estabelecimento prisional, independente da sanção penal cabível; quando o preso apresentar alto risco para ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade; quando pesarem sobre o preso suspeitas de envolvimento ou participação em organizações quadrilhas ou bando. A características do regime diferenciado são dispostas a seguir: duração máxima de 360 dias podendo ser aplicado por igual prazo a cada falta grave, até o limite da pena aplicada; recolhimento em cela individual; visita semanal de duas pessoas, sem contar crianças, com duração de das horas; saída diária da cela para banho de sol por duas horas diárias.

8. Progressão de regimes

A progressão de regimes é disposta pelo ordenamento jurídico com fins de atender pré-requisitos de controle a administração dos sentenciados. A progressão pode ser requerida pelo Ministério Público, pelo advogado, pelo próprio sentenciado, ou pelo Juiz ex officio. É impossibilitado ao sentenciado alterar seu regime descumprindo a ordem hierárquica normatizada. É necessário o cumprimento de no mínimo 1/6 da pena no regime anterior. O mérito da progressão deverá ser somente do sentenciado, observando seu comportamento carcerário durante a execução da pena. A comissão técnica classificadora tem a competência de enviar o parecer ao Juiz sobre a possibilidade ou não do pedido. O Ministério Público sempre será ouvido sob pena de nulidade absoluta, quando da progressão do sentenciado, é este órgão judiciário que busca a efetivação na sanção quanto o respeito durante toda sua aplicação.




9. Da saída temporária

Segundo Alexandre de Moraes:

“Os destinatários da previsão legal são, em princípio, somente os presos que se encontram em regime semi-aberto [...] contudo concordo com Ministro Celso de Mello quando estende o benefício aos sentenciados cuja pena determinante é o albergue senão constituiria uma verdadeira contradictio in terminis, conduzindo a uma absurda situação paradoxal.”[5]

A legislação permite as saídas temporárias somente aos sentenciados ao regime semi-aberto, deixando à margem os albergados ou regime aberto. A norma produzida gerou uma situação discrepante ou mesmo uma anomalia em relação aos sentenciados que cumprem os regimes privativos de liberdade. Ao conceder um benefício a uma categoria observada como menos apta ao benefício e excluindo os de periculosidade menor.
As hipóteses permissivas da saída temporária são as visitas a família; freqüência em curso escolar profissionalizante, instrução do segundo grau ou superior na comarca do juízo da execução.
Somente é autorizada a saída temporária com permissão do Juiz da execução, mediante decisão motivada sempre com oitiva do Ministério Público e a administração penitenciária.

10. Medida de Segurança

A medida de segurança não é considerada pena de ressocialização, visto que o agente criminal neste caso teve avaliação preliminar psiquiátrica, sendo considerado inimputável por doença mental. Torna-se portanto resguardado aos manicômios judiciais na tentativa de restabelecer a compreensão da vida comum, sua liberdade não deixa de ser restringida, contudo para correção de uma doença que às vezes agride outros bens jurídicos.

11. Detração

Consiste na soma das penas privativas de liberdade já cumpridas em função de prisão provisória e/ou internação em manicômio com a pena sentenciada a posteriori no mesmo processo. Quando um agente de um crime é preso preventivamente ou temporariamente e logo depois de sentenciado deve-se subtrair da pena a ser cumprida as prisões provisórias executadas. Ressalta-se que a detração não é elemento para efeitos prescricionais.

12. Conclusão

As penas restritivas de liberdade tiveram uma grande evolução ao longo dos tempos, onde a vingança cedeu espaço a socialização dos criminosos. Não se adequa mais a violência no sistema carcerário segundo a Lei de Execuções Penais. As garantias fundamentais foram de extrema valia na revisão do sistema penal, a aplicação dos fundamentos dos direitos humanos trouxeram aos sentenciados mais dignidade e tranqüilidade quanto sua integridade física, psíquica e moral.
É de se observar que a Lei 6.416 de 1977 vislumbrava uma penalização de acordo com a periculosidade do agente e graduava-os de acordo com o modus operandi do mesmo. A Lei 7.209 de 1984 extinguiu o fundamento da periculosidade do agente, bastando interpretar a norma e suas nuances para uma efetiva e legítima sentença penal.
Os sentenciados gozam de direitos ordenados pela nossa Constituição Federal e pela Lei de Execuções Penais, podendo inclusive reclamar erro em sua contagem de tempo, pedidos de saída provisória entre outros que eram comumente cerceados no Direito Penal antigo.
Devemos concluir por uma evolução do sistema penal, mas não devemos no acomodar com o já existente. Uma constante avaliação deve ser mantida direcionando a qualidade do serviço penitenciário e da adequada execução das penas. Não podemos punir brandamente crimes acintosos, nem aplicar grandes penas a pequenos delitos. A Justiça e o Direito devem se balizar pela equidade sempre. Beccaria em Dos Delitos e das Penas, intitula o cap. XXIII da obra: Da Proporção Entre os Crimes e as Penas. O tensionamento entra uma sociedade pacífica e os delitos terão sempre que ser controlados através da pena em sua plena eficácia.


BIBLIOGRAFIA

BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e Das Penas. Trad. Vicente Sabino. São Paulo: CD, 2004.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito penal: parte geral: volumeI. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2003.

JESUS, Damásio E. Direito Penal:parte geral: volumeI. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 1997

MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código de Processso Penal interpretado. 4ªed. São Paulo: Atlas, 1996.

MORAES, Alexandre de, SMANIO Gianpaolo Poggio. Legislação Penal Especial. 9ª ed. São Paulo: Atlas, 2006.

PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro, parte geral. 8ªed. re, atual, ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

PIRANGELI, José Henrique. Direito Criminal, Col. Jus Aeternum. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.














[1] BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e Das Penas. Trad. Vicente Sabino. São Paulo: CD, 2004.
[2] PIRANGELI, José Henrique. Direito Criminal,Col. Jus Aeternum. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.
[3] PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro, parte geral. 8ªed. re, atual, ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
[4] HC 82.959, julgado em 23 de fevereiro de 2006.
[5] MORAES, Alexandre de, SMANIO Gianpaolo Poggio. Legislação Penal Especial. 9ª ed. São Paulo: Atlas, 2006.

Religião e Moralidade

A Religião pode ser definida como um conjunto de crenças relacionadas com aquilo que a humanidade considera como sobrenatural, divino e sagrado, bem como o conjunto de rituais e códigos morais que derivam dessas crenças.

A Moral é o conjunto de costumes e juízos morais de um indivíduo ou de uma sociedade; teoria que pretende orientar a ação humana submetida ao dever e com vistas ao bem; conjunto de normas livres e conscientemente aceitas que visam organizar as relações dos indivíduos na sociedade.

Arrolar todas as religiões existentes no mundo ao conteúdo do trabalho iria pouco acrescentar, uma vez que buscamos fundamentos para corroborar a história da humanidade.Teses apresentadas. Necessariamente usaremos como amostragem três Religiões: O Judaísmo, o Cristianismo e o Islamismo.

O Judaísmo é a primeira das grandes religiões monoteístas (crença em um só Deus), surgiu como uma fé separada. Acredita-se que Moisés recebeu de Deus os Dez Mandamentos no Monte Sinai, por volta de 1200 a.C. Ele uniu o povo judeu e ajudou seu sucessor Josué a conquistar a terra de Canaã, a qual os judeus renomearam como Israel. Uma revolta contra o domínio romano acabou com a destruição do Templo em Jerusalém, em 70d.C. e os exilados espalharam o Judaísmo em todo o mundo. Sua principal crença é que: os judeus vêem o mundo criado como essencialmente bom e acreditam que há um plano divino na Terra.

Relacionamos abaixo algumas citações judaicas para melhor enfatizarmos qual o comportamento adequado ao seguidor do Judaísmo:
"Homem que pretende praticar uma boa ação, mas é impedido de a fazer, deve ser considerado como se a tivesse feito". Talmude Babilônico, Kidushim
"É fácil adquirir um inimigo; difícil é conquistar um amigo" Midrax, Pentat. 845
"Não perguntes; a ação é a coisa principal"
Fonte: Pirkei Avot.

Jesus Cristo, fundador da religião que traz o seu nome, era judeu. Sua doutrina, através da qual afirmava que os judeus não eram superiores aos demais povos, uma vez que haviam se afastado das leis divinas, juntamente com a alegação de que falavam com a autoridade de Deus, puseram-no em conflito com a tradição judaica. Ele acabou preso e crucificado em Jerusalém. Seus seguidores foram então perseguidos, sendo mortos por judeus e pagãos, que os consideravam hereges pelos dois séculos seguintes. Apenas quando o imperador Constantino converteu-se ao Cristianismo em 311, a religião cristã tornou-se a fé oficial do Império Romano. Os ditos discípulos do Caminho tiveram paz, passando então a oprimir os seus antigos perseguidores. Os seguidores levaram sua mensagem a todos os cantos do mundo, de modo que hoje o Cristianismo é a mais disseminada religião monoteísta.

Abaixo um discurso do Papa João Paulo II após constatar o enfraquecimento mundial do Catolicismo.
. Precisamos de Santos
"Precisamos de Santos sem véu ou batina.
Precisamos de Santos de calças jeans e tênis.
Precisamos de Santos que vão ao cinema, ouvem música e passeiam com os amigos.
Precisamos de Santos que coloquem Deus em primeiro lugar, mas que se "lascam" na faculdade.
Precisamos de Santos que tenham tempo todo dia para rezar e que saibam namorar na pureza e castidade, ou que consagrem sua castidade.
Precisamos de Santos modernos, santos do século XXI, com uma espiritualidade inserida em nosso tempo.
Precisamos de Santos comprometidos com os pobres e as necessárias mudanças sociais.
Precisamos de Santos que vivam no mundo, se santifiquem no mundo, que não tenham medo de viver no mundo.
Precisamos de Santos que bebam coca-cola e comam hot dog, que usem jeans, que sejam internautas, que escutem disc man.
Precisamos de Santos que amem apaixonadamente a Eucaristia e que não tenham vergonha de tomar um refri ou comer uma pizza no fim-de-semana com os amigos.
Precisamos de Santos que gostem de cinema, de teatro, de música, de dança, de esporte.
Precisamos de Santos sociáveis, abertos, normais, amigos, alegres, companheiros.
Precisamos de Santos que estejam no mundo; e saibam saborear as coisas puras e boas do mundo, mas que não sejam mundanos”.
Para finalizar o estudo das religiões abordaremos o Islamismo:
O Islão ou Islã é uma religião monoteísta que surgiu na Península Arábica no século VII, baseada nos ensinamentos religiosos do profeta Muhammad (Maomé) e numa escritura sagrada, o Alcorão. A religião é conhecida ainda por Islamismo.
Cerca de duzentos anos após o seu nascimento na Arábia, o Islão havia se difundido em todo o Médio Oriente, no Norte da África e na Península Ibérica, bem como na direção da antiga Pérsia e Índia. Mais tarde o Islão atingiu a Anatólia, os Bálcãs e a África subsariana. Recentes movimentos migratórios de populações muçulmanas no sentido da Europa e do continente americano levaram ao aparecimento destas comunidades nestes territórios.
A mensagem do Islão caracteriza-se pela sua simplicidade: para atingir a salvação basta acreditar num único Deus, rezar cinco vezes por dia, submeter-se ao jejum anual no mês do Ramadão, pagar dádivas rituais e efetuar, se possível, uma peregrinação à cidade de Meca.
O Islão é visto pelos seus aderentes como um modo de vida que inclui instruções que se relacionam com todos os aspectos da atividade humana, sejam eles políticos, sociais, financeiros, legais, militares ou interpessoais. A distinção ocidental entre o espiritual e temporal é, em teoria, alheia ao Islão Citações Islâmicas: "O mais forte é aquele que sabe dominar-se na hora da cólera". Fonte: "Maomé"
"Retribui o mal com o bem, e eis, aquele entre o qual e vós houvesse inimizade, se tornaria vosso sincero amigo". Fonte: "Corão 41,34"
"A concórdia é o melhor, apesar de o ser humano, por natureza, ser propenso à ganância" Fonte: "Corão, 4º Surata, 128”.

É inevitável aos seres humanos relacionar a moral e até mesmos o costume às religiões. O ser moral é aquele que segue os preceitos determinados pelos mais diversos "representantes supremos" religiosos.
Observamos a presença da religião como um fator essencial à convivência humana. É nela que as pessoas se baseiam para distinguir o correto do errado, e, portanto, o moral do imoral.
O indivíduo, mesmo que não pertença a nenhuma religião, de alguma forma é compelido a viver sob as normas morais cujo fundamento é religioso. As normas jurídicas de muitos Estados também estão fundadas em mandamentos religiosos, mesmo que da forma mais obscura possível; entretanto negar isso é inimaginável.
Podemos afirmar ante os relatos acima que é a busca da salvação que conduz os indivíduos a atitudes consideradas por muitos, morais. Desde a primeira religião do mundo, regras começaram a serem impostas; essas se tornaram valores morais.
Apesar de não possuirmos somente uma religião no mundo, a maioria converge para objetivos idênticos, existindo raras exceções. Devido a essa unidade de pensamentos podemos afirmar que, imensas vezes, a moralidade advém das religiões.
As atitudes fundamentadas em crenças religiosas são tidas como morais, pois são avalizadas pela sociedade em que a religião é predominante.
O estudo e a prática das diversas religiões é uma atividade que exige cuidado, pois os paradigmas são muitos.
Nesse contexto, inicio o segundo tema do trabalho com uma pergunta banal. É permitido tirar a vida de outra pessoa? Então o que são as "guerras santas"? São atos imorais ou amorais? Deus legitima o poder dos homens guerrearem, às vezes, por apenas um pedaço de terra.
De uma maneira geral, até os filósofos religiosos (ou talvez estes em especial) têm sido cautelosos em relação às manifestações populares da religião.

Kant, um simpatizante da fé religiosa, distinguiu várias perversões dessa fé: a teosofia (uso de concepções transcendentais que confundem a razão), a demonologia pode nos comunicar sentimentos ou de que podemos exercer influência (favorecimento de concepções antropomórficas do Ser Supremo), a teurgia (ilusão fanática de que esse ser sobre Ele) e a idolatria ou a delusão supersticiosa de que podemos nos tornar aceitáveis perante o Ser Supremo através de outros meios que não o de ter a lei moral no coração (Crítica da Faculdade do juízo).
Émile Durkheim, definiu a religião como um instrumento de dominação cuja utilidade é definida, porém limitada. Ao relacionarmos essa definição com a atualidade vemos exatamente o inverso.
Freud considerava a Religião uma opressão ao ser humano: "Afastando suas expectativas em relação a um outro mundo e concentrando todas as energias liberadas em sua vida na Terra, provavelmente conseguirão alcançar um estado de coisas em que a vida se tornará tolerável para todos e a civilização não mais será opressiva.”.
A dominação carismática citada por Marx Weber está presente na moralidade. Agir ou não de acordo com a moralidade religiosa é uma forma de dominação.
Dante Alighieri em sua obra: A Divina Comédia transpõe a nova explosão de costumes de uma sociedade que não tinha referência sólida ao se apegar. Dante visou salvar a humanidade do abismo do pecado em que este parecia ter caído.
A eutanásia é permitida em Israel: "Pela lei judaica, um homem não pode abreviar a vida de outro, mas uma máquina pode." Do porta-voz do Parlamento israelense, justificando a lei que legaliza a eutanásia para doentes terminais, a qual será efetuada por um dispositivo colocado no equipamento que mantém a respiração artificial do paciente. Fonte: Revista Veja, Edição 1935, 14 de dezembro de 2005. Os judeus que vivem no Brasil consideram a eutanásia como uma atitude moral ou imoral? E a comunidade mundial amparada pela Declaração dos Direitos Universais do Homem?
Madre Teresa de Calcutá passou por questionamentos relativos à existência de Deus e não por isso deixou de ser moral, muito longe disso. Em uma carta concessória, a religiosa disse: "Disseram-me que Deus me ama, e ainda assim a escuridão, o frio e o vazio são tão grandes que nada toca a minha alma. Terei eu errado ao me entregar cegamente ao chamado do Sagrado Coração." Não foi essa e nenhuma outra declaração que arrancou as qualidades morais de Madre Teresa, pessoa que interviu durante toda a vida em favor dos mais necessitados.
Santo Agostinho só passou a acreditar na existência divina quando desistiu de compreender os mistérios da fé, mesmo assim, até Santidade tornou-se. Com certeza, o religioso é decididamente moral; "de acordo com a Igreja".
Nietzsche, em sua obra Além do Bem e do Mal, logo na apresentação questiona a relação moralidade e religião. O homem é dotado de duas forças antagônicas que na realidade são inclinações ou tendências de vida: O Bem e o Mal. O autor coloca a criação da moral humana a pari passu a da moral religiosa, porém uma existe sem que seja necessário a outra. A moral humana dita princípios amplos e simples de convivência humana. Já a moral religiosa estabeleceu normas rígidas que criaram uma divindade que lhe daria respaldo para ditar essas normas de coação, opressão e escravidão. Nietzsche questionava a legitimidade dessas normas ao perguntar se é possível uma vida sem sentimento de culpa diante da moral cristã? E ainda mais. Perguntou-se no livro O Anticristo: A divindade criadora e reguladora da moralidade existe?
O questionamento principal nesta segunda parte do trabalho é se existe moral sem religião?
O que pode ser dito a favor das religiões é que elas impõem um "pacote" de valores aos fiéis com conceitos básicos de moral e ética e que, na falta de melhor, em alguns casos, realmente ajuda a orientar as pessoas. Mas apresentam uma falha básica, ou seja, elas afirmam que é preciso ser bom e justo porque Deus assim o quer. Se fizermos a vontade dele seremos eternamente recompensados, caso contrário sofrerá um castigo eterno. A verdadeira virtude segundo Aristóteles baseia-se no exercício da razão, não na esperança de uma recompensa ou no medo de um castigo, o que em nada difere dos métodos usados por domadores de animais.
Se nós entendemos por que é preciso fazer isto ou não podemos fazer aquilo, nossa ética será muito mais forte do que a imposta por dogmas. Pelo contrário, como disse Feuerbach: "Quando a moral se baseia na teologia, quando o direito depende da autoridade divina, as coisas mais imorais e injustas podem ser justificadas e impostas".
A lei básica da ética e da moral foi estabelecida séculos antes de Cristo. Uma de suas versões é a "Lei de ouro" (Confúcio, 500 a.C.): "Façam aos outros o que gostariam que lhes fizessem. Não façam aos outros o que não gostariam que lhes fizessem. Vocês só precisam desta lei. É à base de todo o resto". Outro modo de dizer isto é: não há pecado, não há um deus que premie ou castigue, há conseqüências. Cada um deve suportar as conseqüências do que faz.
Sem religião, as sociedades mais cedo ou mais tarde se darão conta de que ética e moral se justificam por si mesmas e não devido a vagas crenças em coisas não comprovadas. Seus valores serão baseados na razão e, portanto, muito mais sólidos. Pelo contrário, crenças religiosas nos permitem atribuir aos desígnios de uma entidade abstrata e onipotente os problemas que afligem o mundo e nos tiram assim a responsabilidade de resolvê-los. Até mesmo grupo de chimpanzés e gorilas têm suas leis; sua inteligência, ainda que limitada, lhes permite reconhecer que, sem elas, a convivência não seria possível e o grupo se autodestruiria.
Alguns podem se questionar como seríamos hoje sem ter religião ao longo dos séculos. Uma coisa é certa: milhões de pessoas não teriam morrido na fogueira ou torturadas. Civilizações e suas culturas não teriam sido arrasadas por serem pagãs. A ciência não teria se estagnado por tanto tempo (e mesmo regredido) por medo da fogueira. As mulheres não teriam sido afastadas de uma participação ativa ao lado dos homens nem tratadas como simples reprodutoras, o "vaso imperfeito que recebe o sêmen perfeito do marido".
Aquilo que nos parece ser as contribuições da religião para o bem-estar e o progresso da sociedade foi, na verdade, obra de indivíduos e organizações bem-intencionados mais do que o resultado de uma crença religiosa. Somando-se tudo, é possível que o resultado ainda seja mais negativo que positivo.


Bibliografia:
ARMSTRONG, Karen – Uma História de Deus. Quatro Milênios de Busca do Cristianismo, Judaísmo e Islamismo. Ed. Companhia Das Letras, São Paulo, 2001.
NIETZSCHE, Friederich – O Anticristo. Tradução: Pietro Nassetti. Ed. Martin Claret, São Paulo 2006.
NIETZSCHE, Friederich – Além do Bem e do Mal. Tradução: Antônio Carlos Braga. Ed. Escala, São Paulo 2005.
QUINTANEIRO, Tânia; OLIVEIRA BARBOSA, Maria Lígia; MONTEIRO DE OLIVEIRA; Márcia Gardênia – Um toque de Clássicos. Ed UFMG, Belo Horizonte 2003.
SENNET, Richard – O Declínio do Homem Público As Tiranias da Intimidade.Tradução Lygia Araújo Watanabe Ed. Companhia Das Letras. São Paulo 2005.
DE SOUZA, Ricardo Luiz – Do sagrado ao profano: a sociologia de Max Weber. INTERSEÇÕES, junho de 2006.ALIGHIERI, Dante – A Divina Comédia. Ed. CEDIC. São Paulo 2002.