segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

A Ateologia e o Direito - Parte 2.

Immanuel Kant[1] (1724-1804) é o primeiro filósofo que proponho a trabalhar depois dos gregos e romanos, tal lacuna cronológica se dá pois, discorrer sobre religiosidade na idade média é desagradável. Uma época em que o antropocentrismo teve força, porém a igreja cometia genocídios alegando fazer a justiça divina. Se deus ordena uma matança dessa forma, gostaria de entender porque ele criou.
Kant baseou seu pensamento em conceito chaves essenciais: liberdade, fundamento da moral e direito. Os fundamentos de Kant não se prendem a determinações religiosas, ao contrário disso, o fator determinante é o resultado do seu ato. Sua máxima: “Age segundo máxima tal que tua ação possa por ti ser querida como de universal validade.” Através de seus imperativos Kant posiciona condutas que acima de tudo são questionáveis, não existindo imposição em aceitação as suas teorias. O fundamento da moralidade do ato têm como base a intenção do sujeito agente. Os atos devem decorrer da “vontade boa” que é determinada pelo agente. Está no indivíduo a moral para fazer ou não o ato, não em determinações externas como por exemplo: vou ajudar os pobres porque deus me enviará aos céus. Ajudar os pobres deve ser feito por determinação própria de acordo com a sua moral, se achar devido deve fazê-lo. É necessário um querer livre de influências. Ao ato moral chamamos ação POR DEVER. Sendo tais imperativos, utilizados pela ciência do Direito. Ex: Imperativo Categórico – Ser; Imperativo Hipotético – Dever ser.
Contudo a principal contribuição de Kant para a ateologia é a busca constante da decisão e do fundamento da ação para a moral do homem, excluindo fatores exteriores que muitas vezes conduzem para a inutilização do raciocínio. A moral descarta a religiosidade, ela é do indivíduo, deus não pune, o direito sim. A lógica do pensamento Kantiano materializa as conseqüências das ações, o pensamento humano, valoriza o ser humano racional dando a ele uma importância indefinidamente maior que apenas seguidor dos pensamentos de uma organização dominante.
Michel Foucault[2] (1926–1984) em sua obra Microfísica do Poder, discorre sobre o poder disciplinador. Foucault define o poder disciplinador como aquele que não apresenta o “dominador”; porém de alguma forma todos sabem que ele está lá; mediante essa possível presença o comportamento dos dominados devem seguir a determinação do dominador. Contudo todos estão sempre presentes para receber seu dominador. Por vezes alguns “representantes do dominador” saem de suas torres e descem até os dominados para castigá-lo, assim os outros dominados retomam a conduta determinada, com receio de serem castigados pelos representantes ou até mesmo pelo próprio dominador que nunca apareceu. A conduta é imposta pelo medo sem mesmo às vezes existir dominador, podendo simplesmente, os ditos representantes do dominador, serem os próprios. Todavia para uma maior submissão cria-se uma força superior a tudo, firmando assim uma relação de poder e medo revestida de necessidade.
A adequação do instituto igreja à evolução da sociedade foi necessária, o poder disciplinar enfraqueceu-se perante as novas tecnologias, que proporciona um mundo mais aprazível. Limitar-se a uma vida de prazeres regrados contrapondo a uma infinita gama de acessórios condicionantes ao prazer, tornou-se um abismo entre a vida social e a vida sagrada. Se lembrarmos Kant concluiremos – nada temos a temer na ausência de fé, nossa conduta moral independe de qualquer fator externo, nossa liberdade deve ser respeitada de forma que os fins dos meus atos sejam originados pela minha moral, portanto, o mundano referido acima pode não ser o meu mundano; o sagrado para a igreja não é o meu sagrado - o profano cristão direciona ao pecado, o profano moral sempre remete aos atos da igreja.
Max Weber em – A dominação – classifica a igreja como uma associação de dominação hierocrática, quando e na medida em que, aplica para garantia de sua ordem, a coação psíquica, concedendo e recusando bens de salvação. O poder e a dominação conceituada por Weber consiste em obedecer sem questionar, ou seja, tornar-se demente. Aí esta o ponto chave da fé: administrar dementes; incapazes de questionarem origens e objetivos da crença, assimilando todo o “presente de grego” - como em Tróia, que culminou em sua destruição - entregue aos fiéis no intuito de doutrinarem cada indivíduo incapaz do uso da razão.
[1] KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes e outros escritos.Trad: Leopoldo Holzbach. São Paulo. 2003.
[2] FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. 13ª ed. Rio de Janeiro. Ed: Graal, 1998

Artigo Publicado em 02 de maio de 2008 no Jornal Estado de Minas

PROCESSOS LEGISLATIVOS: UMA PEDRA NO SAPATO.

Um dos grandes problemas jurídicos que atuam oposicionalmente ao seu ordenamento gerando antinomias é a omissão legislativa. A atuação dos que trabalham com a lei depende da criação de normas coerentes, afim de que não haja lacunas atingindo a completude, segundo a teoria de Norberto Bobbio. Caso contrário teremos que recorrer ao poder discricionário do Juiz reiteradas vezes. Sabemos que uma lacuna jurídica possibilita um erro, o que é comum a todos os seres humanos.
Os produtores das leis, digo o Legislativo, esquiva-se de sua responsabilidade deixando o Judiciário carente de atualização normativa, pois o Direito é evolutivo assim como as outras ciências e a sociedade. Sabemos que os detentores dos cargos públicos representam o povo e que o poder que detém não é deles no Estado Democrático de Direito e em nenhuma outra forma de poder, mesmo que seja ilegítimo.
Ao assistirmos TV Câmara, TV Senado e TV Assembléia nada nos agrega, somente Votos de Congratulação, Menção Honrosa, Datas Comemorativas entre outros artifícios para engordar o paletó de votos.
Uma alienação jurídica pífia foi aprovada pela Assembléia Legislativa; uma Casa onde seus Consultores Jurídicos desconhecem Controle de Constitucionalidade e muito menos o que é Poder Constituinte Derivado, arriscaram-se sobrepor a Constituição. Em especial os Arts. 127º ao 130º, criando para os próprios e outros, distinções inconstitucionais. Foro privilegiado preterido desta forma, requer quem deseja se esconder. Se os mesmos Deputados optarem por não produzirem leis - tudo bem o Judiciário está quase se acostumando a isso - e os Juízes procurando aproximar-se das causas sociais, raras são as exceções. Deviam portanto criar um Projeto de Lei, como fez o Senado tornando público os seus gastos, inclusive o quadro funcional de cada gabinete, assim os legítimos proprietários do Poder Constituinte teriam a certeza da aplicação de seus recursos.
Após essa barbaridade, a ANAPE teve que recorrer ao STF propondo uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no intuito de resguardar a nossa Democracia que apesar de jovem é robusta. Nossa Constituição é considerada a segunda colocada em termos de eficácia contextual no mundo, se não é totalmente aplicada deve-se a comportamentos como estes que se tornam exemplos.
A omissão legislativa é uma deficiência do sistema jurídico que deve ser mais aprofundada. José Luiz Quadro de Magalhães disserta sobre a matéria mostrando a complexidade das Instituições Políticas e relacionando-as com as Jurídicas. A partir daí notamos que poderes distintos carecem de uma integração maior. Sempre ouvimos que os juízes estão distantes do povo, hoje acredito que os parlamentares estão mais distantes ainda, só comparecendo em período eleitoral.
Segundo Dworkin dois princípios regem a integridade normativa:
O Princípio Legislativo, diz que as leis devem ser elaboradas de forma moralmente coerente (coerência constitucional)
O Princípio da Integridade Jurisdicional, os Juízes devem partir do pressuposto que as leis são moralmente coerentes.
Quanto ao primeiro Princípio já relatei que é inexistente. O que causa um certo transtorno aos estudiosos do Direito Constitucional. Elegem indivíduos que, numa versão diminuta de Hugo Chávez, tentam alterar a Constituição a toque de caixa. Meus Senhores!!! O Direito não é assim.
Já o segundo Princípio, existe, e como não poderia. As normas estão lá positivadas, não é competência do Magistrado alterá-la e sim aplicá-la e completá-la, se for o caso.
Ainda sim consigo enxergar algo de bom em tudo isso. O Legislativo ao omitir-se e fazendo politicagem, abandonou o Judiciário, que por sua vez teve de lançar mão de suas proposições jurídicas na mais justa medida possível para legitimar Decisões Jurídicas. A força deste Poder em relação ao Legislativo tem obrigado a transformação de magistrados em “Juízes Hércules”.
Vislumbro uma nova mudança no horizonte iniciando-se com o memorável julgamento dos quarenta indiciados no Supremo Tribunal Federal.